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Financeiro

Pix em garantia: inovação no crédito ou risco de escravidão financeira?

Ao longo dos séculos os sistemas jurídicos evoluíram, passando de punições desproporcionais para o estabelecimento de leis impulsionadas por avanços sociais, destacando-se a defesa dos direitos humanos.

25 de setembro de 2025 por Stéfano Ribeiro Ferri, sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia

Desde os tempos do Código de Hamurabi – um dos primeiros diplomas legais da história, talhado em pedra para disciplinar as relações sociais do império babilônico -, que ficou marcado pela famosa Lei de Talião “olho por olho, dente por dente”, os empréstimos eram tratados com seriedade. Como exemplo, havia a previsão de que o credor que não recebesse o valor devido poderia pegar uma pessoa da casa do devedor, como garantia, até que o pagamento fosse realizado: a chamada escravidão por dívidas.

Ao longo dos séculos os sistemas jurídicos evoluíram, passando de punições desproporcionais para o estabelecimento de leis impulsionadas por avanços sociais, destacando-se a defesa dos direitos humanos. Atualmente, no Brasil, o ordenamento jurídico consagra como fundamento a dignidade da pessoa humana, além de princípios como a proporcionalidade e a proteção de liberdades individuais.

Se, no passado, as garantias estavam ligadas à própria pessoa do devedor, hoje elas se voltam a instrumentos que buscam equilibrar segurança jurídica e dinamismo econômico. Afinal, a história da evolução das garantias retrata a busca por eficiência na circulação do crédito: de penhores e hipotecas a sistemas mais sofisticados, o direito sempre buscou mecanismos que reduzissem riscos e estimulassem transações.

É nesse cenário que surge o Pix, o meio de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central em 2020 e que rapidamente se consolidou como um dos maiores sucessos do sistema financeiro nacional. Inovação responsável pela inclusão de mais de 35 milhões de pessoas no sistema financeiro – indivíduos que, até então, sequer possuíam uma conta bancária -, o Pix não apenas transformou a forma como os brasileiros movimentam dinheiro, mas caminha para um novo patamar: servir de garantia em operações de crédito.

Stefano Ferri3Stéfano Ribeiro Ferri, sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia. (Foto: Divulgação)

Trata-se do “Pix em Garantia”, que vem sendo moldado pelo Banco Central e contempla a agenda evolutiva da ferramenta. Essa modalidade, prevista para ser lançada no segundo semestre de 2026, funciona da seguinte forma: empreendedores e trabalhadores autônomos poderão oferecer recebíveis futuros – valores que esperam receber em pagamentos via Pix – como garantia para empréstimos. Isso significa que, caso tomem um empréstimo, parte dos pagamentos recebidos será automaticamente direcionada ao banco, garantindo o cumprimento da dívida.

O grande diferencial é que, ao oferecer essa garantia, os tomadores de crédito poderão ter acesso a juros menores, assim como ocorre com trabalhadores formais que utilizam o FGTS para reduzir o custo de empréstimos. A modalidade promete tornar o crédito mais acessível e seguro, trazendo inovação e eficiência para o mercado financeiro, especialmente para quem ainda não possui garantias tradicionais para oferecer aos bancos.

Ao passo que o Pix evolui para se tornar também uma ferramenta de garantia, é fundamental lembrarmos que toda inovação financeira traz oportunidades, mas também responsabilidades. Assim como, no passado, empréstimos podiam resultar na escravidão de indivíduos, hoje é preciso segurança para que os instrumentos digitais não exponham os mais vulneráveis a uma espécie de escravidão financeira moderna.

No Brasil, a realidade social torna esse cuidado mais urgente: com a conhecida facilidade de contratar empréstimos diretamente pelos celulares e a disseminação de crédito rápido,

muitos consumidores entram em operações sem a completa compreensão dos riscos, muitas vezes por falta de informação ou orientação adequada.

O direito sempre buscou equilibrar segurança e dinamismo econômico, protegendo de um lado o credor e, do outro, a dignidade e os direitos do devedor. O desafio do futuro será acompanhar de perto essas inovações, promovendo crédito mais eficiente e seguro, mas sempre atento à proteção daqueles em posição de maior vulnerabilidade.

Inovação e prudência devem caminhar juntas: é possível tornar o crédito mais acessível sem repetir antigos erros de exploração e desigualdade, garantindo que a inclusão financeira não se transforme em nova forma de dependência.

Stéfano Ribeiro Ferri, sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia, relator da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP e membro da Comissão de Direito Civil da OAB - Campinas